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ARMAZÉM BEDIN

    Dáda e Roberto e uma história centenária

    Algumas empresas, mundo afora, se programam para serem centenárias, para atravessarem olimpicamente décadas e décadas, ganhando corpo, vencendo o tempo, conquistando diferentes gerações, escrevendo histórias que beiram o incrível. A história do Armazém Bedin tem muito disso, mesmo que com algumas interrupções, carrega uma herança centenária, uma história de mais de um século.

    Em 1920 o avô de Alexander Bedin, na gaúcha Caxias do Sul, fundou o Armazém Bedin, um espaço de secos e molhados, vendendo desde salame até tecidos. Antes disso ele tinha sido confeiteiro na famosa Confeitaria Rocco, de Porto Alegre (RS). No armazém ele vendia de tudo, numa época em que se marcava o crédito, o fiado, em cadernos. Até ali chegavam clientes de todas as regiões, atraídos pela qualidade e o atendimento, que fazia a diferença. Os supermercados ainda não tinham chegado e tomado conta de tudo. Qualquer relação comercial envolvia a presença, o contato humano, o atendimento pessoal e personalizado. O estabelecimento adquiriu muitos clientes e muita fama, passando a ser um ponto de referência na cidade.

    O avô de Alexander Bedin, idealizador e fundador do armazém, faleceu em 1952. O tio mais velho e a avó assumiram.

    Enquanto isso, Alexander se dedicava à música, sua paixão, além de incursionar em outras áreas, como a construção.

    Tempo depois, o Armazém Bedin fechou suas portas, pois tio e avó cansaram da luta diária e resolveram que era o momento de parar.

    Em 1985, Alexander Bedin, acordou para seu espírito empreendedor e resolveu que era o momento de ter seu próprio negócio. Um ano depois abriu a Távola, um armazém com muitos produtos importados, com uma grande variedade. Ele conta que seu estabelecimento chegou a ter 12 mil itens.

    Alexander sempre foi um autodidata, muito curioso, sempre buscando informações, participando de encontros, atando laços que o ajudaram a crescer como empreendedor, viajando e descobrindo novidades para seu negócio. A loja de Alexander se transformou num ícone em Caxias do Sul. Um lugar mágico onde clientes se transformavam em amigos. Assim afirma Ana Maria do Carmo Gonzalez, que é testemunha de que a cidade ficou ‘‘órfã’’ depois que Alexander Bedin resolveu migrar para Santa Catarina.

    Elso Barbisan concorda com o comentário e acrescenta que a cidade ficou de luto com a ausência do local tão admirado e querido. Para ele a família sempre privilegiou a qualidade e a criatividade, encantando seus clientes. Um entusiasmo enorme e muita criatividade eram a marca registrada da Távola – Armazém Bedin. Alexander conseguiu inovar e vencer numa cidade tão conservadora como Caxias do Sul. Para ele, a medida que Dáda foi crescendo foi contribuindo com criatividade e muitas novidades.

    – “Eu, desde menino’’, comenta Lucio Cavinato. – ‘‘Frequentava a Távola. Era uma verdadeira Disneylândia para quem gosta de comida e bebidas. Conheceu a Dáda desde pequena. O pai sempre foi uma figura importante na vida dela. A genética funcionou muito bem neste caso. Ela começou a mostrar habilidade, capacidade, excelente cozinheira, amiga muito querida. Profissionalismo inacreditável. Seriedade, dedicação incrível, amizade, algo muito raro. A Távola foi uma marca na cidade. Até hoje não tem nada parecido. O Alexander conseguia trazer produtos excelentes. Deixou saudades até hoje, nunca se teve algo parecido, até hoje nada igual na cidade. A Dáda é uma história de superação, enfrentou problemas de saúde e jamais se entregou. Sempre senti nela uma energia positiva”.

    Com o tempo, o nome Távola foi associado ao antigo nome Armazém Bedin. As filhas de Alexander, adolescentes ainda, começaram a trabalhar no estabelecimento, adquirindo experiência e entrando de cheio naquele mundo que tinha seu inegável encanto. Dáda, uma das suas filhas, desde os treze anos começou a participar de todas as atividades, desde a cozinha até o atendimento no balcão. O seu treinamento foi perfeito.

    Mas, o tempo vai batendo no corpo e na alma das pessoas inexoravelmente. Para Alexander e a esposa, que já não contavam com o apoio das filhas, que tinham seguido outros caminhos, também chegou o momento de parar e desfrutar de uma maneira diferente da vida. Assim, fecharam a Távola que, por ser muito grande, era um negócio difícil de vender, de passar adiante. Fecharam, fizeram as malas e foram para perto do mar, para Bombinhas (SC). Porém, a história não termina aí. No DNA da família há uma tendência irresistível de empreender, de criar, de servir com amor e profissionalismo.

    Madalena Bedin, a popular Dáda nascida no dia 05 de março de 1973, tinha treze anos de idade quando o pai abriu a Távola, em Caxias do Sul, e prontamente foi chamada para fazer parte da equipe familiar que levaria adiante o novo negócio. Nascida numa família de origem italiana já sabia, desde pequena, que teria que encarar o trabalho como uma atividade totalmente normal. Para ela era uma aventura incrível, era como se estivesse brincando de ter uma loja. Fazia de tudo, atuando em todos os setores da Távola. A loja começou a crescer e foram aumentando o leque de produtos que ofereciam. O pão, feito pela avó Alexander, e outras delícias passaram a fazer parte do que era oferecido para os clientes. Pouco a pouco, o leque foi aumentando e exigindo mais atividades na cozinha. Dáda passava horas na cozinha, mergulhando num mundo que a fascinou e a apaixonou.

    Com a avó Dinorah Gazola Bedin, aprendeu segredos da cozinha e a fazer tudo com amor. Quando ela relembra esse passado se enche de emoção e seus olhos se enchem de luz. Dáda sempre gostou de cozinhar. Ela e a irmã preparavam comidas para os pais. Dáda foi uma criança tranquila, forte, sempre líder e às vezes bastante brigona. Quando foi chamada para encarar o trabalho na Távola, não duvidou, foi firme e cheia de alegria. Muito próxima da avó, foi aprendendo com ela, foi pegando o jeito e se destacando na cozinha. Hoje consegue repetir os sabores das receitas da avó, a maioria delas guardadas na sua memória. A avó Mádia foi a grande figura da sua vida, a pessoa que mais a marcou.

    A Távola, com o esforço concentrado da família estava indo muito bem, apesar de estar num espaço relativamente pequeno. Por algum motivo, o dono da sala pediu o ponto, pois pensava montar um negócio. Foi um momento crítico, mas que superaram logo, encontrando uma sala maior, bem localizada e que deu um ar novo e revigorante para o negócio. Foi uma sorte, para a empresa, que o dono resolvesse pedir o espaço. Tudo melhorou a partir daquele momento. Dáda se jogou de corpo e alma na culinária, estudando e trabalhando muito. Quando ficou moderno e chique falar em chef de cuisine, ela já era uma cozinheira experiente, profissional de mão cheia, no setor.

    Roberto Barboza nasceu no dia 17 de agosto de 1974, na capital do Uruguai, Montevidéu, num país que os uruguaios chamam carinhosamente de “paisito”, vibrando no meio de dois gigantes: Brasil e Argentina. O país já foi considerado a Suíça da América pelo seu sistema político, econômico, social e cultural. Montevidéu é uma grande cabeça, num corpo pequeno, a metade da população do país vive nela. Fanáticos por futebol, esporte que faz parte da identidade nacional, em cada bairro da capital existe um ou dois clubes de futebol, todos eles disputando profissionalmente algum dos campeonatos locais ou internacionais. Roberto nasceu e se criou no bairro Fênix, bem pertinho do campo de treinamento de um grande do futebol uruguaio e da América do Sul: Club Nacional de Fútbol. Desde pequeno encarou a luta, trabalhando num armazém, utilizando um caixote para conseguir chegar à altura do balcão e assim atender os clientes. Aos dez anos de idade ajudava numa padaria e, um pouco mais adiante, saía pelas ruas, fazendo “Quiniela” (jogo de azar, controlado pelo governo). Mais tarde foi trabalhar numa agência de loterias, o que aqui no Brasil chamamos de Lotérica. Como todo uruguaio que se preze sonhou com desbravar e enfrentar o mundo e migrou para Nova Zelândia. O seu destino final era Austrália, mas ele parou antes, encontrou amigos e resolveu ficar por ali mesmo. Quando voltou para o Uruguai, de férias, foi morar em Punta del Este e logo, pelos seus conhecimentos, emplacou como gerente num restaurante que seria importantíssimo para mudar o rumo da sua vida.

    Dáda, naquela época da sua vida, tirava férias no famoso balneário uruguaio com seus pais. Lá ela via coisas diferentes, elementos que mexiam com sua criatividade e imaginação. Numa dessas férias estava com uma amiga, procurando um abridor diferente que já tinha visto por lá. Foi quando descobriu um restaurante que chamou sua atenção pela decoração, pelo ambiente e pela comida, principalmente pelos sanduíches. Depois de desfrutar do espaço, já de saída, descobriu um homem que chamou sua atenção.  Não teve dúvidas, no dia seguinte voltou lá cheia de perguntas, principalmente sobre os tipos de pães que serviam lá, mas muito interessada na pessoa que lhe dava informações: Roberto. Ele mostrou com prazer tudo o que chamava a atenção de Dáda, inclusive a levou até a padaria onde eram produzidos os pães que tanto a tinham encantado. Dois dias depois eles estavam tomando vinho juntos e descobrindo que seus caminhos poderiam se entrelaçar. Uma história de amor fulminante e de cinema.

    Ela voltou para Caxias do Sul. Ele ficou lá, prometendo que iria de qualquer jeito até ela. Era a época do MSN como meio principal de comunicação na internet, com todas suas limitações e benesses. Pouco mais de um mês depois da partida de Dáda, Roberto desembarcou em Caxias do Sul. Ele não tinha tempo, seria uma visita um tanto rápida, já que tinha que ir até Buenos Aires, ao consulado da Nova Zelândia, para concluir a tramitação dos seus documentos e voltar, já que lá tinha sua casa, seu carro, sua vida.

    Ele não foi. Em vez disso pegou o jornal e começou a procurar trabalho na cidade. Enquanto isso permanecia hospedado num hotel e se aproximando cada vez mais de Dáda e da família. Estavam nesse processo de aproximação e conhecimento, quando Dáda recebeu uma proposta para ir para São Paulo. Ela já sabia que Roberto era o amor que ela sempre tinha esperado, mas a oportunidade profissional era muito importante para ela. Roberto entendeu e falou que se ela fosse ele ficaria e a esperaria. Ele passou a trabalhar na Távola, cobrindo a ausência de Dáda. Naquele mesmo ano, em dezembro, Roberto fez as malas e foi se encontrar com sua amada na capital paulista.

    São Paulo não era uma cidade desconhecida para Dáda. Ela tinha feito um estágio empolgante no Fasano e já tinha captado o jeitinho da cidade.

    Em São Paulo, enquanto Dáda trabalhava no restaurante, Roberto foi se virando como freelancer. Surgiu uma vaga de maître no restaurante e próprio dono resolveu chamar Roberto. A partir daquele momento o casal começou a trabalhar junto e ali eles ficaram por doze anos.

    Quando Diego, o primeiro filho, nasceu, começaram os problemas de saúde de Dáda. Ela desenvolveu uma doença autoimune complicando muito sua vida. Sentia dores terríveis por todo o corpo, derrubando-a numa cama. Foi um mês inteiro de puro terror e muita dor. Uma amiga viu a situação e a levou para uma consulta com um neurologista. Foi diagnosticada com esclerose múltipla.  O médico, apesar dos protestos de Dáda, que reclamava por ter um bebê em casa, fez com que ela ficasse internada, começando um tratamento que a ajudou. Porém, a solução definitiva estava longe de ser alcançada. Ela conviveu durante oito anos com a doença, passando semanas no hospital e retornando ao trabalho assim que a liberavam. Não foi uma luta fácil, foi muito estressante. Mas, ela teve fibra, força e coragem para superar.

    Cristal, a segunda filha, veio sem ser programada. Dáda ainda convivia com a doença, com doses cavalares de corticóide e com longos dias na cama. Mas ela não se entregou.  A mãe ajudava na criação dos filhos e nas tarefas da casa e ela lutava contra a dor, tentando se recuperar.

    Quando a dor parava, ela voltava para sua batalha diária. A solução chegou com o transplante da medula óssea. Esses tempos de luta contra a doença e de momentos dolorosos e terríveis, continuam vivos na mente de Dáda. Ela passou por uma quimioterapia intensa, passando 56 dias isolada dentro do hospital, dores terríveis sentindo que seu corpo parecia desintegrar-se. Roberto estava em estado de choque, achava que ela não resistiria e que ela iria morrer. Ela ficou 56 dias internada no hospital. Quando estava prestes a sair o dono do restaurante foi visitá-la e falou que tinha cansado do restaurante, que não queria mais, que passaria para eles tomarem conta, que era deles.

    Eles não aceitaram. Já estavam cansados de São Paulo. Naquela altura o pai já tinha fechado a Távola e morava no litoral catarinense. Dáda e Roberto fizeram as malas e rumaram para Santa Catarina. Era dezembro de 2015.

    Dáda fez duas faculdades (Educação Artística, quando tinha 16 anos e Biologia). Não terminou nenhuma das duas faculdades, mas percebe que elas a influenciaram positivamente em muitas coisas.

    Roberto, desde pequeno, queria ser marceneiro. Por isso frequentou a UTU (Universidade do Trabalho do Uruguai). Mas, incursionou no desenho gráfico e trabalhou em uma agência de publicidade e até numa gráfica. Aos 21 anos de idade, fez as malas e foi embora do país. No exterior, descobriu sua paixão pela cozinha.

    Eles tinham experiência e personalidade para empreender sem temores, para fazer as coisas acontecerem. Assim nasceu o Armazém Bedin, em Balneário Camboriú, reeditando uma paixão familiar que tinha a força para vencer o passo do tempo.

    Alexander Bedin, o pai de Dáda, é um homem que carrega a história da sua geração, da geração que o antecedeu e que vê, com indisfarçável orgulho e entusiasmo, o crescimento de uma nova geração familiar, que perpetua e engrandece a história da família. Sobre Dáda ele comenta: – “Ela é uma pessoa maravilhosa, dedicada, muito competente, onde bota a mão, dá certo. Ela sempre mostrou muita força, muita disposição para enfrentar a adversidade. Dias depois do nascimento do filho apareceu aquela doença. Foram nove internações durante um ano. Sofreu muito, sempre com muita força, saía do hospital e ia trabalhar, quando chegava a crise voltava para o hospital”.

    Alexander não poupa elogios para o seu genro Roberto: – “Ele é uma pessoa justa, excelente pai, bom genro, bom amigo. Trabalhava em Punta del Este, sabe das coisas, é maduro e talentoso”.

    O Armazém Bedin em Balneário Camboriú, mostra e comprova a força da tradição numa família. Dáda e Roberto estão reinventando aquilo que os antepassados dela plantaram no século passado.

    – “Eles construíram uma clientela fiel durante todos estes anos, nenhuma situação adversa poderá abalar esse relacionamento’’, afirma Roberto Chalub, um cliente que viu nascer o novo Armazém Bedin. – ‘‘São referência à alta gastronomia, ali não se vai para comer, senão para ter uma experiência gastronômica maravilhosa, uma explosão de aromas e sabores que alegram corpo e alma”.

    Dáda revela, com o seu comportamento, que não só recebeu o gosto e a habilidade para a cozinha. Seu espírito de luta, sua raça, sua determinação são visíveis e lhe dão uma armadura para enfrentar as adversidades. Ela se diz apaixonada pelo que faz; percebe que sua vida pessoal é ligada totalmente na profissional. Respira fazendo comida, essa é a vida dela. Sente que é um ato de amor alimentar às pessoas. Não pode imaginar alguém passando fome.

    Roberto, esposo, companheiro e sócio, é o complemento ideal. Ele tem uma longa história de outros lugares, sendo um apaixonado pela culinária. Ele sabe o que faz e porque faz. Além da experiência se preparou para esse momento da sua vida: tocar seu próprio negócio.

    Qualidade e honestidade é a marca registrada do Armazém Bedin. Dáda e Roberto sabem que isso é fundamental. A palavra desistir não faz parte do dicionário deles. Perante a adversidade, eles redobram as forças, a fé, o entusiasmo, a teimosa vontade de vencer, de construir, de continuar uma história digna de ser registrada.

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