A história de uma família apaixonada pelo mar, pela arte e pela vida
Maria Luisa Lopez, conhecida carinhosamente como ‘‘Dona Kitty’’ estudava Arquitetura em Córdoba, Argentina, quando ela e um grupo de amigas resolveram juntar economias e fazer uma viagem para Europa, uma viagem de seis meses e que foi fundamental para a formação profissional dela. Nessa viagem longa, retornando para a pátria, ela conheceu Avelino David Olivera, hoje conhecido como ‘‘Seu David’’, um jovem que se transformaria no amor da sua vida. Eles voltaram para a Argentina para continuar suas vidas. Ela estudando para ser uma arquiteta, ele trilhando os caminhos da Medicina. Casaram e tiveram dois filhos: Alejandro David Olivera e Denise Anabel Olivera.
Dona Kitty conta que foi uma menina tranquila, dedicada aos estudos, vivendo numa cidade pequena que só tinha uma escola, onde meninas e meninos, ricos e pobres, de todas as raças e religiões, estudavam orientados por maestras (professoras). No Ensino Médio, quando estava em dúvidas sobre qual carreira seguir, pensando que Arquitetura exigia no mínimo seis anos de estudo, levou a sério o conselho de uma professora. Sabiamente ela falou para Dona Kitty que, estudando ou não, seguindo ou não o caminho que imaginava, dali a seis anos estaria com a mesma idade, seis anos mais velha, formada ou não. Foi o empurrãozinho que ela precisa.
Seu David, com apenas 15 anos, participou da formação de uma banda que existe até hoje, Avelino y su banda. Porém, a paixão pela música ficou de lado e, quando chegou o momento de escolher uma carreira profissional, ele optou pela Medicina. Eles casaram antes de terminar seus cursos universitários .
Alejandro David Olivera é o primogênito do casal, herdou do pai o amor pela música e da mãe outras veias artísticas que enriquecem sua vida. O pai torcia muito para que ele fosse médico, mas Alejandro optou por seguir a profissão da mãe e se tornou um arquiteto. Já Denisse Anabel Olivera, a filha, deu ao pai o prazer de seguir o mesmo caminho dele, formando-se e especializando-se no mesmo ramo da Medicina que seu pai.
O pai, Seu David, intuição e otimismo puro, sempre estava procurando coisas novas, atento às novidades que pudessem melhorar suas vidas. Já a mãe, Dona Kitty, era mais reflexiva, mais ponderada, mais pé no chão. Os Olivera, apaixonados pelas praias catarinenses como muitos argentinos, viajavam todos os verões e ficavam em Bombas ou Bombinhas pelo menos um mês. Em 1986, por uma série de coincidências, resolveram investir em terras catarinenses. O pai foi o grande motivador, agindo por pura intuição.
Coincidentemente, uma irmã do Seu David estava retornando da Alemanha, onde tinha vivido e casado com um alemão. Ela vendeu a casa e Seu David a encorajou a comprar, junto com ele, um terreno em Santa Catarina. Surgiu a opção de comprar na praia do Estaleiro, num lugar que nem uma estrada decente tinha, um verdadeiro “vale verde” entre Balneário Camboriú e Itapema. Um amigo do Seu David se uniu a eles e compraram três terrenos. Um para o casal vindo da Alemanha, outro para a família Olivera e um terceiro para o amigo da família.
Naquela período da sua vida, Dona Kitty, formada e trabalhando, dava aulas numa faculdade na Argentina. Pediu licença sem remuneração e resolveu encarar a dura missão de transformar um terreno, que nem conhecia direito, num lugar habitável e agradável. De julho a dezembro de 1986, ela se dedicou à tarefa nada fácil. Naquele ano ficaram prontas as primeiras cabanas, seis no terreno da irmã de Avelino David, duas no terreno da família e uma no terreno do amigo que tinha topado participar da empreitada.
A ideia era montar uma espécie de condomínio. Numa viagem a Santa Catarina, chegando nas suas terras no Estaleiro, a família Olivera se viu impedida de entrar. O alemão, casado com a irmã do Seu David, tinha entrando com uma ação, afirmando que as terras tinham sido invadidas. Começava uma longa disputa judicial.
Alejandro, o primogênito do casal, foi um menino tranquilo, apaixonado por Geografia, por História, por tudo o referente às Ciências Humanas e idiomas. Aos nove anos já estudava inglês e com quatorze anos começou a estudar música. Preferia piano, mas as turmas estavam lotadas, por isso optou pelo violoncelo. Não se adaptou.
Quando ele tinha nove anos, os pais programaram uma viagem para a Europa, festejando os dez anos de casamento. No último momento incluíram os filhos, Alejandro e Denisse, no programa. A mãe os preparou mostrando imagens, roteiros, pontos importantes do Velho Continente. Apesar da sua curta idade, essa viagem significou muito para ele. Foi o ponto de partida para ele se interessar por outras culturas e outros idiomas. No último ano do 2° Grau, ele recebeu uma bolsa de estudo e passou um ano nos Estados Unidos da América. Depois, antes de formar-se como arquiteto, ficou um ano na Europa encarando diversos trabalhos para se manter e adquirindo uma experiência enorme que lhe seria muito útil no futuro.
Quando retornou para a Argentina, além de continuar seus estudos, trabalhava como DJ animando eventos. Numa festa de graduação de 2°grau, ele conheceu Eliana Pamela Siufi. Logo ele percebeu que era uma garota diferenciada das outras. Ela sempre tinha uma pergunta nos lábios. Aos treze anos de idade ela resolveu ser voluntária num orfanato.
Chegado o momento de encarar uma faculdade, ela optou por Medicina. Um ano depois percebeu que não era o que queria, mas não tinha coragem de falar com os pais e explicar que, depois de tantos esforços de todos, ela queria desistir. Escreveu uma carta explicando, depois de passar uns vinte dias chorando a toda hora. Os pais foram compreensivos e falaram que ela poderia ser o que quisesse, não por imposição deles ou da sociedade. Ela tinha que escolher seu caminho e ir enfrente, sem medos.
O namoro entre Alejandro e Eliana já durava três anos quando chegou num momento de decisão. Ele resolveu que viria para o Brasil para tomar conta da propriedade familiar e levar adiante o projeto. Ela tinha outro projeto: queria casar. Claro que ela não imaginava que teria que abandonar sua cidade (Tucumán – Argentina), fazer as malas e partir para outro país, mergulhando em outra cultura, em outro idioma que ela mal tinha escutado, num lugar rodeado de mata, mar e solidão. A vida lhe apresentou essa opção e ela a encarou, mesmo mergulhando num choro sem consolo durante toda a viagem, perdida na poltrona de um ônibus durante longas e longas horas. Ali começou outra história, que se entrelaçava com outras histórias que vinham de antes, bem antes dela conhecer Alejandro.
O jovem casal chegou à praia do Estaleiro para enfrentar não só um lugar agreste e que precisava ser trabalhado para se tornar uma fonte de recursos para a família. O problema criado pelo casal vindo da Alemanha, que no começo foram sócios do possível empreendimento e depois inimigos, querendo tomar conta de tudo.
Mauro Afonso de Gasperi, advogado e amigo de Alejandro, comenta: – “Fui nomeado como curador especial em uma ação judicial proposta pela tia do Alejandro. Alejandro residia na Argentina e quando veio ao Brasil ficou sabendo do processo e veio me procurar. Posteriormente eles mudaram para o Brasil, em razão dos processos judiciais me aproximei dele e de sua família. Conheci o início dessa lindíssima pousada”.
Eliana confessa que foi um momento muito difícil para ela. Não conhecia praticamente nada da região. Estava deixando para trás sua cultura, seu lugar, seus amigos, sua família, sua vida. Tinha jovens 21 anos, desconhecia o idioma, não tinha vizinhos, exceto aqueles parentes belicosos de Alejandro, que queriam tomar conta de tudo. A solidão era imensa. Eliana optou por se conectar com a natureza. Num momento de fraqueza emocional, voltou para a Argentina. Expôs sua situação para os pais. A mãe foi determinada: Eliana tinha feito uma escolha, e tinha que se responsabilizar pela decisão que tinha tomado. Com o passar do tempo ela percebeu que a atitude da mãe foi um ato amoroso, uma decisão que doía muito, mas que era necessária para o futuro da filha.
Alejandro, acompanhado por Eliana e apoiado totalmente pelos pais, que lhe davam suporte, se lançou na empreitada de transformar o sonho em realidade. O jovem casal soube enfrentar o clima adverso e foi avançando lentamente no projeto da pousada, crescendo com a região, vendendo a ideia de férias maravilhosas.
Alejandro estava disposto a continuar o trabalho iniciado pela mãe, melhorou as condições do local e, num trabalho que era basicamente o famoso boca a boca, pois não existiam as facilidades da internet, começaram a divulgação da que seria a primeira pousada da praia do Estaleiro. Eliana conta que fazia mapas à mão e que a divulgação era feita também em Tucumán, a família ajudava. Denisse, irmã de Alejandro corrobora essa informação, e diz que até hoje, é uma espécie de representante da pousada, apesar de ser uma médica na clínica que herdou do seu pai, junto com outros médicos. Denisse diz sentir muita saudade de toda família, mas ela se mantém forte.
Denisse lutou ao lado de Alejandro durante os primeiros anos. Construiu uma casa na pousada, morou nela um tempo. Queria muito poder ter a oportunidade de exercer a sua profissão de médica no Brasil, porém, devido ao protecionismo extremo da classe médica referente a revalidação de seu diploma, resultou numa tarefa impossível. Ama profundamente este lugar, mas não perde as esperanças de morar no Brasil junto ao seu filho Marco, hoje com 11 anos, e se juntar ao resto da família, após a sua aposentadoria.
A batalha judicial contra a tia e o marido alemão foi vencida. De maneira lenta, porém persistente, o progresso da pousada e da região foi acontecendo. Primeiro conseguiram instalar um telefone, uma verdadeira façanha para determinadas regiões do Brasil e da época. Com isso conseguiram se comunicar com um público que se interessava por lugares paradisíacos, pouco explorados ou visitados. A chegada da internet, abriu um horizonte enorme para o empreendimento.
Avelino David foi o autor intelectual, e material, da ideia. Ele sempre foi apaixonado pelo litoral catarinense. Maria Luisa, arquiteta, com sentido prático de como funcionam as coisas e com as condições técnicas para fazer acontecer, começou a construção das cabanas. A ideia inicial se viu um pouco truncada, pela ação descabida dos parentes vindos da Alemanha. Foi quando entrou em ação Alejandro, arquiteto também, para enfrentar os desafios próprios de qualquer empreendimento.
Eliana, sua companheira de luta, também se uniu e enfrentou os desafios sem medos. Ela, que tinha abandonado o curso de Medicina na Argentina, se jogou de cabeça em cursos técnicos e, mais tarde, em cursos universitários, para ajudar com seu conhecimento. Como a baixa temporada é dura para as pousadas e pequenos hotéis, ela enveredou para o curso de corretora. Quando a alta temporada chegava ela voltava para a operação da pousada, realizando diversas atividades, para proporcionar bem-estar para os hóspedes. Ela e uma colaboradora se encarregavam de prestar todos os serviços necessários para manter o funcionamento perfeito da pousada. Em plena gravidez, ela enfrentou esse horário e atividade desgastante. Sua filha nasceu em março, logo depois de uma temporada intensa. Mas, valeu a pena. A maioria dos hóspedes são de retorno e opinam positivamente sobre a pousada. Maria Susana Núñez Tamburo e Oscar Tamburo, por exemplo, comentam que a Pousada Estaleiro Village, ano a ano se supera, sempre respeitando a natureza e com um “cheiro a verde” que fica gravado na memória afetiva.
Uma colaboradora, Marta Giovannoni, conta que Alejandro é um artista e um diplomata nato, sagaz, de peculiar humor, empreendedor, otimista. Já Eliana, para Marta Giovannoni, é um ser vibrante, de grande sensibilidade e compaixão, além de ser empreendedora, ágil e pró-ativa.
Eliana Pamela Siufi não parou de estudar. Já no Brasil, fez um curso técnico de Turismo no SENAC e curso Psicologia na UNIAVAN. Ela comenta que estava em crise pessoal, queria se realizar, concluir um curso universitário. Percebeu que muitas pessoas a buscavam para conversar com ela; diziam que ela sabia ouvir. Depois de tantos anos com hóspedes, percebeu que tinha uma facilidade enorme para escutar e ajudar. Eliana é apaixonada pela Psicologia. – “O processo vai muito além do que a gente espera”, comenta. Ela cuidou de muitos casos que a deixaram muito feliz.
Alejandro reduziu o tamanho unidades habitacionais, conseguindo equacionar o problema do espaço, sem descaracterizar a ideia inicial.
Ele sempre gostou de esportes relacionados com o mar, gostava de velejar com o pai. A sua relação com o mar é profunda e intensa. O lugar que escolheram encaixou perfeitamente para desenvolver seus dotes de administrador, de arquiteto e de artista, pois é um músico e fotógrafo apaixonado. Ele não enxerga a pousada como um simples negócio. Para Alejandro é um modo de vida, uma maneira de viver e proporcionar experiências inesquecíveis para aqueles que se hospedam e chegam ali para desfrutar de lazer e de descanso, assim como recuperar energias para seguir adiante.
Sobre Alejandro opina Carlos J. J. Castillo Scheuermann: – ‘‘O que mais me chama atenção no meu amigo Alejandro Olivera é sua genialidade, suas respostas rápidas para situações complicadas e diferentes, sempre com traços de muito bom humor e bom gosto. Ele tem uma habilidade inata para a música, herança de família, algo que atravessa três gerações pelo menos. Ele e um grande empreendedor, vai até o fim, começa e termina. Está sempre se reinventando, adaptando-se às mudanças, perseguindo a inovação. Ele é espontâneo, honesto e solidário. Ele abriu para mim as portas do Brasil, tanto no plano social como no referente a trabalho”.
Max Weiss, que dava aulas de inglês para os filhos de Alejandro e Eliana, já estava aposentado quando surgiu uma chance para trabalhar na recepção da Pousada. Passou pelo teste e ficou lá cuidando daquele setor. Sobre Alejandro ele comenta: – “Poderia escrever um livro sobre ele. Gostaria de ser o pai ou filho dele. Eu o admiro em todos os aspectos. Alejandro tem um coração de ouro, um verdadeiro bom samaritano. Ele é um artista, um músico, uma pessoa espirituosa e sempre de bom humor. Trata os funcionários como se fossem da família. Ele é paciente e tolerante e adora brincar. Já Eliana eu respeito pela sua correção, sentido de justiça e pela autoridade que transmitia”.
Novos negócios surgiram. Numa viagem de Alejandro e Eliana para Jericoacoara, Ceará, descobriram o enorme potencial turístico da região. Acabaram comprando uma pousada que, atualmente, é administrada por um sócio. A ideia central é diversificar, para conseguir vencer a sazonalidade do turismo em Santa Catarina.
Surgiu também a oportunidade de comprar uma pousada em Barra Velha (SC). Não estava em boas condições e a praia não é um grande atrativo para o público que eles atendem normalmente. Porém, parece que tudo conspirava a favor da família e se deram as condições para adquirir o imóvel. Colocar em condições de uso a pousada foi trabalho pesado, do qual participou toda a família, conseguindo inaugurar num dia 27 de dezembro, já com a temporada tomando conta de tudo.
Eliana comenta que o marido é um homem de ação, que muitas vezes age por instinto, por pura inspiração. Dessa maneira, ele entrou no negócio de fabricação de pranchas de surf. O casal tem dois filhos, Ornella Siufi Olivera que estuda design gráfico e trabalha no setor de marketing das Pousadas e Alain David Siufi Olivera que é estudante bacharel em música e também trabalha na pousada no setor reservas, novamente a história está colocando toda a família unida, como deve ser. Alain David e Ornella na data da publicação deste livro, têm 19 e 21 anos, respectivamente, levam a pousada no sangue.
Mantendo a tradição familiar em inclinar as suas preferências pelas artes, Alain é um exímio guitarrista. Atualmente, eles falam três línguas. São jovens que tiveram a rica experiência de viajar, mesmo sem sair de casa, através das inúmeras pessoas que pela pousada passaram desde que se conhecem por gente.
O histórico percurso da Pousada Estaleiro Village está recheado de situações dramáticas e inspiradoras. Podem render um excelente filme. Uma história familiar, com pelo menos duas gerações alimentando o mesmo sonho. O lugar é paradisíaco, porém, mesmo num recanto tão encantador, a luta pode ser dura e difícil. E assim foi.
Cada um dos integrantes da família, no seu momento, soube enfrentar as dificuldades e avançar, apesar de todas as correntes contrárias, de todas as travas e barreiras, tudo foi enfrentando e vencido com paciência, sabedoria, com muita resiliência e com muito amor no que estava sendo realizado.
A família Olivera tem em comum o amor pelo mar, pela arte, pela Natureza, pela vida. A música, a pintura, o sentimento de que é possível construir sem degradar, respeitando pessoas e meio ambiente, fazem parte do sentimento comum da família. Eles construíram, com muito esforço, dedicação e suor, um sonho alimentado por todos os integrantes do grupo familiar. Cada tijolo, cada quadro (muitos deles pintados pela Dona Kitty, mãe de Alejandro), cada detalhe, tudo foi feito com muito amor e faz parte de um sonho coletivo, de uma família que soube agir para transformar um sonho em uma realidade tangível, algo além dos sentidos.