EDI JOVINO
As águas de novembro de 2008 levaram vidas, esperanças, destruíram sonhos e muitas riquezas das terras catarinenses. Derrubou casas, derrubou muros. E um dos muros que derrubou, ou começou a derrubar, foi aquele que impedia Edi Jovino, um destacado profissional, se lançar, se encontrar, se reconhecer.
Naquele ano, os portos que eram a sua base fecharam e Edi Jovino foi convidado a assumir um papel dentro da logística da BRF. Assim, teve que se mudar para Curitiba (PR) e a sua vida teve uma virada que vinha se gestando desde muito tempo atrás.
Edi Jovino da Silva Junior. nasceu em Itajaí (SC) no dia 15 de setembro de 1982. Foi um menino introvertido, observador e retraído . Parte da sua vida de estudante foi desenvolvida em colégio particular. Ali apareceram dificuldades no relacionamento com os outros alunos. Sentia-se diferente, não se encontrava em nenhum grupo.
O que mais atrapalhava Edi era algo que ele não conseguia definir, naquela época, corretamente. Não se sentia bem no grupo dos meninos nem no grupo das meninas, com as quais se identificava mais. Reprimia algo que considerava errado: sua sexualidade.
Desde muito jovem, adolescente ainda, já se sentia responsável pelo núcleo familiar, trabalhando e ajudando no sustento. Seu pai era apaixonado por carros antigos, serviu o exército Brasileiro, foi caminhoneiro, destacou-se como um grande profissional de vendas de veículos e caminhões. Se aposentou como motorista e continuou trabalhando mesmo após a descoberta de um câncer no pâncreas.
Edi Junior teve uma infância sem muito diálogo e sem uma comunicação aberta, orientativa com seus pais, cresceu vendo que a função do pai era trabalhar fora e sustentar a casa, da mãe era de cuidar dos filhos e do lar.
Ainda criança percebeu algo estranho no comportamento de seu pai, que mantinha uma espécie de vida dupla, mantendo um relacionamento extraconjugal com outra mulher, desviando a renda familiar para fora de casa. Ele sofreu muito com isso, foi algo que o marcou sua infância e toda adolescência. Esse comportamento paterno comprometeu a rotina e responsabilidades da casa. Edi começou a trabalhar para ajudar em casa, foi assumindo aos poucos várias contas como água e luz, que já estavam vencidas e os serviços por muitas vezes eram suspensos, cortados.
Anos depois, com as situações da vida e um pouco de amadurecimento, Edi consegue transformar todos os sentimentos negativos e angústias em relação ao pai, em muito carinho.
Entrou para a Universidade aos 17 anos para cursar Administração. Participava pouco, fugia de apresentações orais. Da metade do curso em diante resolveu mudar, enfrentar suas dificuldades. Fez curso de oratória e, mesmo com dificuldades, começou a vencer suas barreiras, ainda que não totalmente. Aos 21 anos concluiu.
Desde os 15 anos já estava trabalhando em uma pequena loja, uma franquia da móveis Masotti. Tinha uma relação muito fraterna com a dona da empresa, Liange Nolli, que lhe ensinou muitos valores profissionais.
Seu desempenho nesse primeiro emprego foi excelente. Chegou a controlar toda a parte administrativa da empresa. Foi uma escola para o jovem Edi, preparando seu perfil de administrador para outras etapas da sua vida.
Nessa sua primeira experiência profissional (1997 a 2004), Edi apelou para sua humildade, uma virtude sempre presente nele, a todo o momento trabalhava para alcançar a excelência em tudo àquilo que fazia.
Quando sentiu que tinha que voar mais alto, que deveria procurar novos rumos, estava administrando duas lojas para a mesma proprietária. Ela concordou com ele que era o momento de voar.
Foi contratado pela Sadia como analista, ingressando na área de custos, onde mais uma vez se sentiu inibido, enfrentando o ambiente coorporativo, sempre tão competitivo e frio. Pelo seu desempenho (num processo muito pessoal, Edi transformava humildade em excelência) foi promovido para trabalhar na área portuária. Ficou ali até que as enchentes de 2008 arrasaram a vida e a economia de Santa Catarina.
Essas águas de novembro mudaram o rumo da vida de Edi Jovino. Ele foi convidado para trabalhar num projeto de logística, mudando-se para Curitiba (PR). Lá encontrou um ambiente coorporativo mais competitivo ainda, machista e intimidador. Era uma cidade maior, mais fria, que o levou ao isolamento e a manter sua vida privada totalmente reservada e longe de outros olhares. Não participava de festas, não se envolvia com os outros, isolando-se no seu mundo, detrás do muro que ele mesmo tinha construído.
Aos poucos começou a se enturmar, percebendo que outras pessoas eram parecidas com ele. Começou a se abrir, encontrando apoio em outros colegas. Até que encontrou alguém que sintonizou com ele e teve seu primeiro relacionamento com alguém do mesmo sexo. Já tinha estado com mulheres, mas percebia que não era seu campo, que não se sentia completo.
Em Curitiba teve a primeira grande virada na sua vida: se aceitou como era e teve um relacionamento maravilhoso, que durou cinco anos. Mesmo assumindo sua sexualidade, tinha muito medo, vergonha de ser descoberto, de ser condenado. Sentia que estava fazendo algo errado.
Ele voltava para Itajaí a cada quinze dias, sentia muita falta da sua família. Seu companheiro vinha junto e era apresentado como amigo. Ele não conseguia se abrir com seus familiares e revelar que era muito mais que amizade o que os unia. Hoje, são realmente grandes amigos, mesmo depois de terem terminado uma relação que ele considerava maravilhosa. Continua admirando o ex-companheiro, principalmente pela sua história de vida. E tem a consciência de que ele foi fundamental para descobrir e revelar o verdadeiro Edi.
Por razões profissionais e pessoais voltou a Santa Catarina. Naquele momento estava acontecendo a fusão entre a Sadia e Perdigão, nascendo a BRF, uma gigante que teria mais de 110 mil funcionários.
Edi assumiu novos desafios, agora na gestão de serviços. Iniciou na carteira de alimentação como área técnica. Era o responsável pela gestão de gastos das mais de 80 unidades fabris espalhadas pelo Brasil. Controlava o repasse e compra das proteínas, em conjunto com os gestores locais de RH e prestadores de serviços. Pelo seu trabalho e dedicação tornou-se referência no mundo coorporativo, principalmente dentro da empresa. Pela sua mesa passava algo em torno de 10 milhões de reais por mês, uma cifra impressionante.
Na BRF ele aprendeu muito sobre padronização, escopo de serviço, projetos voltados a redução de custos, melhorias de processo e outras especificidades da alimentação, acompanhando de perto o trabalho das nutricionistas. Ele ajudou na implantação de novos cardápios e administrar custos, assumindo a posição de “dono do pacote”. Ele aplicava constantemente o benchmarking dentro da própria empresa e com concorrentes, para manter-se atualizado e competitivo, para melhorar e aprimorar o desempenho do setor na qual atuava.
A integração da Sadia com a Perdigão não foi um processo fácil nem tranquilo. Para adaptar-se à nova realidade ele teve que colocar em prática muito do seu conhecimento administrativo.
A essa altura da vida, Edi Jovino era Pós-graduando em Engenharia de Suprimentos (gestão de compras e estoque) e com MBA em Gestão de Serviços Compartilhados. Na época das especializações, Edi já era outra pessoa, mais seguro, firme, mais desenvolvido como ser humano e como profissional. Não se sentia inferior a ninguém.
Dentro da empresa assumiu mais um desafio, a carteira de “apanha de aves”. Era um processo muito complexo, dinâmico, e com enormes gargalos. Não era uma tarefa fácil, muito pelo contrário: acertar todas as pontas e fazer a roda girar com perfeição era um complicado problema e que envolviam outras áreas também.
Mais de uma vez bateu de frente com a área de custos, com metas de redução cada dia mais desafiadora. Viajou por algumas regiões para acompanhar as negociações realizadas pela a área de Suprimentos.
As coisas não estavam fáceis para ele. Além do trabalho para lá de exigente, sugando suas energias e exigindo toda sua atenção, seu pai foi diagnosticado com câncer. O laço familiar sempre foi mais forte, e que o deixou extremamente sem chão. Ele não poupou esforços nem dinheiro para apoiar o pai naquela dura empreitada. Pegou um empréstimo alto na cooperativa da empresa e fez tudo o que tinha que ser feito pelo sistema particular de saúde.
Todas as correntes contrárias confluíram contra sua humanidade. A doença do pai o martirizava, a pressão na sua vida profissional o esmagava. De repente, no auge da sua carreira, decidiu que queria sair, que queria ser demitido. Mesmo expressando sua vontade, e ocupando um posto importante dentro da estrutura da empresa, não aprovaram sua demissão.
O seu desempenho despencou, as metas ficaram inalcançáveis. Foram três meses de terror. Sua saúde foi afetada, teve crise de pânico. Não estava nada bem. Resolveu operar um joelho, marcou e se desligou completamente do trabalho. Foram quinze dias para a cirurgia do joelho e mais quinze solicitados pelo psiquiatra. Quando voltou, foi demitido. Assim se encerrava seu ciclo na BRF após quase 12 anos (2004 a 2016).
Seu pai, depois da operação, sobreviveu por dois anos. Edi teve tempo de perdoar e de perdoar-se. Isso, mesmo que ele não saiba, foi importante para o seu desenvolvimento. O pai morreu nos seus braços, acompanhado pelo seu carinho e seu perdão.
Nos primeiros tempos, depois de sair da empresa, acordava assustado, com pesadelos, pensando que tinha metas para cumprir, que tinha coisas para resolver. Não foi uma tarefa simples ver-se livre de anos de vida coorporativa. Até hoje, de vez em quando, um sonho qualquer o remete àqueles dias.
Sua grande amiga da BRF, Cynthia Bolognini, lhe indicou para participar de uma vivência que ela tinha feito. Edi se inscreveu e estava dentro da Escola Vida, ministrada pelo coaching Hilário Trigo. Ali foram realizadas técnicas de constelações familiares, abordados assuntos relacionados a psicologia na vida pessoal, saúde, relações, sexualidade, família e trabalho.
Edi foi buscar respostas, encerrar alguns ciclos, renovar suas energias para encarar um novo projeto que tinha há anos em sua mente: desenvolver um empreendimento próprio no ramo na alimentação. Lá conheceu Karen Borges, coach sistêmica de relacionamento e consultora de alimentação funcional. Começou uma relação de amizade e um trabalho em 4 mãos de desenvolvimento pessoal. A experiência profissional de Karen e suas metodologias contribuíram para que Edi fosse despertando suas fortalezas e inspirações guardadas dentro do seu ser de forma desconectadas.
Edi e Karen começaram uma jornada que daria bons frutos. Edi conta que ela era muito exigente, principalmente no horário. Seus ensinamentos foram de grande valia para um homem que estava começando uma nova vida, recuperando-se de tantas coisas, de tantos eventos que derrubariam qualquer ser humano numa profunda depressão.
Com Karen desenvolveram um robusto plano de ação, visualizando com maiores detalhes seus sonhos, objetivos e decisões. Construíram um plano de negócios que seria fundamental para se lançar como empreendedor.
O que mais chama a atenção de Karen, em Edi, é sua intensidade, sua transparência, a alegria e o entusiasmo, além de sua capacidade de alimentar a esperança. Para Karen, Edi é um excelente parceiro, com uma humildade incrível e uma força muito grande para superar obstáculos. Edi aprendeu a se aceitar como é, quebrando paradigmas pessoas, reinventando-se, mudando sua rotina, aprendendo a ser disciplinado na sua vida pessoal.
Karen Borges o ajudou no pontapé inicial, onde nasceu a Soul Verde Fresh Food, ainda no ano de 2016. Participou da criação de cardápios, participou do processo inicial da nova opção de alimentação saudável em Itajaí e sente muito orgulho disso. Afirma que é a fã número um da Soul Verde Fresh Food e que nunca se furtou de comentar quando via algo que não achava certo.
O surgimento da Soul Verde Fresh Food é uma confluência de ideias, de pessoas e da vontade de Edi Jovino de superar-se, de empreender, de construir algo inédito.
Seu irmão Marcos, vegetariano, entrou como sócio e aportou suas ideias, além de Karen e de uma nutricionista que também tem o respeito e o carinho de Edi: Priscilla Martins. Ela trabalhou junto com Edi durante seis meses, justamente naqueles em que o projeto já era realidade e estava em implantação. É mais uma admiradora da força de superação de Edi, da sua força de vontade, da sua versatilidade para enfrentar desafios e reinventar-se.
Como quase sempre, o começo foi muito duro, com excesso de trabalho e escasso retorno. Tão escasso que Marcos, seu irmão, se desestimulou e partiu para outra atividade. Marcos admira a trajetória de vida de Edi. Reconhece sua entrega, sua capacidade e, mais que nada sua empatia.
Lembra que com seus jovens 15 anos, Edi trabalhava para manter a casa, cuidando que não faltasse nada, substituindo o pai em muitos momentos. Edi e Marcos sempre tiveram uma conexão muito forte, e segundo Edi, a presença do irmão foi fundamental para o início dos negócios, a opinião e contribuições dele eram importantes para o processo de decisão.
Sozinho, e com o negócio em “voo de galinha cansada”, Edi começou a repensar. Num primeiro momento olhava para os outros pontos que vendiam muito mais que ele. Porém, num instante de epifania, percebeu que tinha que olhar para dentro do seu food truck e ver o que poderia mudar. E as mudanças começaram.
Soul Verde Fresh Food começou servindo exclusivamente comidas de perfil vegetariano e sucos funcionais. Foi formando sua base de público, mas não era suficiente para manter o negócio rodando. Assim, Edi teve a ideia de acrescentar saladas com frango. Foi uma jogada arriscada, ousada, pois com isso poderia perder a base da sua clientela. Deu certo. Hoje a Soul Verde ganhou prestígio, clientela e admiradores. Suas avaliações são excelentes.
Renato Gantus, idealizador e sócio proprietário do Charlestown, food park onde está instalado o Soul Verde Fresh Food, acompanhou o nascimento e desenvolvimento do negócio. Ele se considera amigo de Edi e diz que ele é um companheiro leal e muito dedicado. Segundo ele, a história de Edi é uma das mais inspiradoras que ele já acompanhou, pela maneira que ele encarou o desafio e como conseguiu dar a virada num momento, no qual se reinventava ou fechava, justamente no momento em que seu pai falecia. Uma história de vida incrível.
Edi Jovino, o garoto que sofria bullying no colégio, que tinha medo de falar em público, que se sentia inferior na faculdade, que se descobriu como um ser capaz de amar e ser amado, lá pelos seus 28 anos, que enfrentou seus próprios preconceitos e os dos outros, se destacou como profissional num universo extremamente competitivo e um dia largou tudo, saiu da sua área de conforto e inventou seu próprio negócio, com coragem e excelência, não pode ser uma pessoa normal. É alguém muito especial, de fibra.
Segundo Edi, – ‘‘construímos uma marca, fidelizamos centenas de clientes e simpatizantes, desbravamos mercado com a implantação de entregas pelos aplicativos Ifood e Uber Eats. Hoje somos referência de uma operação que se reinventou dentro do Food Park e pelo segmento, somos bem conhecidos na região por nossa culinária especializada em produtos veganos, vegetarianos e saudáveis.’’
Foram premiados duas vezes pelo Saborear e Brindar, como melhor hambúrguer vegano / vegetariano de Itajaí. Concurso este que realiza a avaliação de empresas gastronômicas, com foco de oferecer um roteiro certeiro com os melhores restaurantes. Realizado, Edi comenta que a Soul Verde nunca foi criada no intuito apenas de gerar lucro, mas por uma realização pessoal e reafirma que nossos sonhos devem ser muito maiores que os obstáculos que encontramos no caminho.
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