“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez” (Jean Cocteau)
Num dia qualquer, a mãe, já separada do pai, mandou os meninos, cinco em total, brincar de culto como se estivessem na igreja. Eles moravam na casa da avó, desde que os pais tinham se separado. Eles brincaram até cansar, sem perceber a ausência da mãe. À noite, quando a avó voltou do trabalho (na agricultura), lá pelas nove horas da noite, encontrou as crianças sozinhas (a maior tinha cinco anos) e um bilhete da filha informando que não tinha mais condições emocionais, físicas e psicológicas de continuar naquele fim de mundo, separada, sem futuro e cuidando das crianças. Talvez não fossem exatamente essas as palavras que ela utilizou no bilhete, mas esse foi o sentido, o sentimento que deixou.
Essa foi a primeira prova que enfrentou Vanderlei, no interior do Paraná, longe da capital, num lugar de difícil acesso e com condições precárias de vida. Não tinham, por exemplo, um prato para cada um e nem muita comida para repartir. Às vezes no almoço comia milho assado, quando ele ia trabalhar, pois sua casa era muito longe do trabalho. Pela manhã ia ao colégio e de tarde, mesmo com seis anos de idade, ia trabalhar na roça, onde plantava tomate e pepino.
Ele lembra que antes de se separarem, os pais discutiam muito e que a vida era dura mesmo. Quando os pais se separaram, eles foram morar na casa da avó, que era viúva e trabalhava na agricultura, apesar de morar longe de tudo. Ela propôs que a filha cuidasse das crianças e ela cuidaria do sustento delas.
O acordo funcionou por um tempo, até que a mãe de Vanderlei desistiu de tudo e foi embora para Curitiba.
Depois que a mãe foi embora as coisas se complicaram ainda mais. A irmã de quatro anos tinha que tomar conta da casa. Ele conseguiu ir ao colégio, onde uma professora, cujo nome era Linda, dava aula para todas as séries na mesma sala, da primeira à quarta série, algo normal na zona rural.
Vanderlei completou o primário e não teve mais condições de seguir estudando. A disciplina da avó era bem rígida, afinal eram cinco crianças para cuidar.
Aos dez anos de idade, num ato de coragem e de rebeldia, pediu para a avó permissão para morar sozinho. No meio do nada, ela tinha uma pequena chácara, um pedaço de terra abandonado e sem cultivar. Audacioso e decidido, ele foi para lá. Acertou com um tio um espaço para plantar e dividir, meio a meio o resultado da plantação.
A ideia era plantar pimentão. Surgiu mais um obstáculo, o pimentão, para ficar no ponto de colheita, demorava uns quatro meses. O que fazer até então? O que comer? Como um menino com apenas dez anos de idade poderia se virar até lá?
Ele não desistiu. Plantou repolho, que cresce mais rápido e se alimentou de repolho e farinha durante esse tempo. Na primeira caixa que colheu de pimentão e vendeu, realizou um sonho: comeu com muito prazer pão com mortadela e bebeu um refrigerante, feliz da vida.
Com o passar do tempo a avó que tinha apostado que ele não resistiria e voltaria para casa, começou a ajudar. Essa etapa da sua vida durou até os treze anos e foi uma prova dura que ele conseguiu vencer.
Depois de muitos anos, a mãe apareceu e pediu perdão pela sua atitude. Ela morava em Curitiba. Mas, não voltou para ficar, ela não suportava mais morar no campo.
Vanderlei aproveitou a visita da mãe e pediu para que o levasse junto. Naquela época ele tinha treze anos e almejava um futuro melhor para sua vida.
Em Curitiba arrumou seu primeiro emprego: furar valetas, no braço. Com esse emprego realizou seu primeiro sonho importante: comprou uma bicicleta.
Morou com a mãe apenas quatro meses. Depois alugou um quarto na casa de uma senhora. Era só para dormir. A mãe preparava a janta e uma marmita para ele levar ao trabalho. Com isso ele foi tocando a vida até os quinze anos.
Para ir até o ponto onde deveriam trabalhar, a empresa disponibilizava uma camioneta que levava os trabalhadores. Um dia a camioneta teve um problema num pneu e, como Vanderlei era o mais fraco dos trabalhadores, pediram para ele descer. Ele desceu bem na frente de uma madeireira. Foi quando viu a placa anunciando que precisavam alguém para serviços gerais. Na hora conseguiu outro emprego e largou o de abrir valetas.
Ali começou ganhando o dobro, era menos pesado o trabalho, conseguia descansar e era tudo mais tranquilo. Ficou ali dos quinze aos dezessete anos. Nesta época já morava em Colombo, na Grande Curitiba.
Com a mãe conseguiu um trabalho no restaurante onde ela trabalhava. Depois ela trocou de emprego, mas ele ficou lá, dos dezessete anos até os dezenove.
O dono logo se encantou com a dedicação dele, sem medo do trabalho e sempre disposto a ajudar. Ofereceu para ele um quarto para dormir, resolvendo o problema de moradia dele. A parte pesada era que trabalhava das seis da manhã até meia noite. Era puxado, mas ele não fugia do trabalho, sempre mostrando comprometimento e vontade de sair adiante.
A mãe o chamou para outro emprego e ele foi. Era numa pizzaria (Don Salvatore) e ele entraria como auxiliar de pizzaiolo. Os donos tinham muito cuidado com as receitas, tanto que nunca preparavam na frente dos funcionários. A massa era feita numa sala fechada e depois ia para a preparação final e para o forno.
Vanderlei, com sua dedicação e atitude positiva (chegava cedo, muito antes do seu horário, se dedicava integralmente ao trabalho, não se esquivando de nenhuma tarefa), conquistou a confiança do dono. Um dia ele o chamou e ensinou a fazer a massa da pizza, um segredo guardado a sete chaves. No terceiro dia, ele já preparava a massa sozinho.
A confiança depositada nele, um funcionário que fazia de tudo, que chegava muito antes do horário e não tinha hora para sair, que se dedicava realmente ao trabalho, acabou provocando ciúmes e revolta nos outros funcionários. A reação do patrão, diante da revolta dos outros, foi dar um cargo de chefia para Vanderlei. A partir daquele momento e durante seis meses ele gerenciou toda a parte interna de produção da pizzaria.
Sempre atento às oportunidades, surgiu a chance de distribuir a Gazeta do Povo e ele não perdeu tempo. Começava às três da manhã e, durante a noite, entregava pizzas. Como almoçava num restaurante próximo, fez a proposta para o proprietário de entregar marmitas. Assim, seu dia foi preenchido por três empregos, começando de madrugada. Naquela época já tinha realizado outro sonho: comprar uma moto.
Como era rápido e organizado na entrega de jornais, conseguia um bom tempo para dormir, acordando ali pelas dez e meia da manhã.
Tudo estava indo bem, até que num dia de folga, foi buscar pizza e se ofereceu para trabalhar no local. Na primeira entrega roubaram a moto! Com isso, ele perdeu os três empregos de uma só vez, pois tudo estava organizado encima do seu veículo de trabalho.
O dono daquela pizzaria, na qual ainda não tinha trabalhado nem um dia, não era uma pessoa do bem. Prometeu que daria um jeito dele recuperar a moto, mas, em realidade Vanderlei acabou trabalhando de graça por três meses e sendo iludido, além de complicar sua vida.
Como era um garoto com pouca instrução, apenas tendo frequentado o ensino primário, foi alvo fácil daquela pessoa de má índole. Ele abriu contas bancárias no nome de Vanderlei, sempre com a promessa de conseguir uma moto para ele voltar a trabalhar. Acharam uma moto usada e o homem a comprou. Depois Vanderlei soube que ele enganou a senhora que vendeu a moto.
Um dia Vanderlei resolveu comprar uma camisa, já que, supostamente, tinha algum dinheiro na conta. Foi quando descobriu tudo. A conta estava bloqueada. O dono da pizzaria tinha largado cheques sem fundos em vários lugares, cheques que o malandro não tinha a menor intenção de honrar, já que não estavam no seu nome. O valor, na época, era impossível de ser pago por Vanderlei, que nem trabalho fixo tinha, chegava a cento e dez mil reais. Até carro tinha no nome dele!
Quando Vanderlei encarou o homem e quis saber o que estava acontecendo, foi ameaçado, teve uma arma apontada para ele e não teve chances de reverter a situação.
Tempo depois, já recuperado do baque, conseguiu pagar a mulher que foi enganada na compra da moto e acertou com o banco, fazendo um acordo e saldando sua conta.
Enquanto trabalhava, e já antes de acontecer isso com ele, Vanderlei tomava café praticamente todos os dias numa padaria. O dono era Ismael, uma pessoa que tem um papel importante na vida dele, alguém por quem ele nutre um carinho especial, quase de filho para pai.
Quando soube do que tinha acontecido, Ismael lhe ofereceu uma chance: distribuir bolos, produzidos na sua padaria, e ganhar comissão em cima disso.
Ele se entusiasmou com a oportunidade e se dedicou de corpo e alma. Com o que ganhava de comissão conseguiu refazer sua vida e até comprou uma Fiorino.
A partir daquele momento sua vida começou a mudar, sempre para melhor.
Com o tempo, Ismael montou uma pizzaria e ofereceu para ele arrendar. Antes disso, fez um teste com ele, e mais dois profissionais, para ver quem fazia a melhor pizza. Vanderlei ganhou de longe e Ismael não teve dúvidas: era ele quem tinha que tocar a pizzaria. Com certeza, o tempo dedicado à primeira pizzaria na qual trabalhou não foi em vão.
Lá por 2004, na pizzaria Polonesa, ele já estava vendendo umas 100 pizzas por dia. Mesmo tomando conta do novo negócio, ele não descuidou a entrega de bolos, pois a comissão era interessante.
O proprietário de um dos pontos onde ele entregava mercadoria ficou devendo dois mil reais na época. Vanderlei deu crédito e segurou a barra, até que o homem falou que não podia pagar, que estava quebrado. Negociaram e Vanderlei acabou comprando o ponto, descontando do pagamento final a dívida. Em realidade, não era uma padaria, era apenas um ponto de distribuição, mas ele viu ali uma oportunidade de negócio.
Na padaria do Ismael conheceu duas mulheres, Gretchen, com a qual teria um relacionamento. Desse relacionamento nasceu sua filha Luana.
A outra mulher era Kelly, a filha de Ismael, sua amiga e confidente, com a qual escreveria outro capítulo importante da sua vida.
Kelly Wierzbicki teve uma infância um pouco diferente de Vanderlei. Seus pais também se separaram quando ela tinha cinco anos de idade. Era uma menina tímida, com poucas, porém muito fortes amizades. Sempre preocupada com os estudos e amante dos números, apaixonada por matemática.
Como cobrava muito de si mesma, estudava até tarde, tomando pó de guaraná para resistir e alcançar seus objetivos.
Sofreu um pouco com a ausência do pai, que as vezes prometia ir e não aparecia. Com o tempo entendeu que ele a amava e não fazia isso propositalmente, senão que o trabalho o obrigava a descumprir suas promessas.
Com treze anos de idade começou a trabalhar na padaria do pai, Ismael, em Colombo. Ali ela aprendeu que tudo tem muito valor, nada é fácil, nada vem do nada. Ela saia da escola e ia para a padaria, trabalhando lado a lado com o pai.
Entre os quinze e dezesseis anos fez um curso de confeitaria e assumiu essa parte da padaria. Ela era o braço direito do pai. Em realidade, Ismael acreditava que tudo o que estava construindo era para ela, para sua filha.
Porém, o destino tem suas curvas, seus solavancos, suas mudanças de vento e nem todo o planejado ou desejado dá certo.
Kelly acompanhou o namoro de Vanderlei e Gretchen, assim como o nascimento de Luana e a separação do casal. Ela e Vanderlei conversavam muito. No começo ela o achava meio chato, pois se aproximava do caixa e ficava puxando conversa, mesmo quando ela estava ocupada ou queria fazer alguma coisa.
Vanderlei e Ismael eram muito amigos. Amigos nos negócios e companheiros de festas. Vanderlei o considerava um pai, pois tinha lhe oferecido a chance de sair do buraco e crescer na vida.
Depois que acabou seu relacionamento, Vanderlei e Kelly começaram uma aproximação, algo que ia além da amizade. Acabaram se apaixonando, mas mantiveram em segredo o relacionamento que estava florescendo. Não queriam magoar o pai dela. Sabiam que ele seria contra, pois não era o homem que ele esperava ou desejava para sua filha. Queria alguém diferente.
Conseguiram manter a incipiente relação em segredo por um bom tempo.
Em uma madrugada os dois se encontraram na padaria para preparar a massa do pão. Ismael preparava e conversava, sondando e questionando Vanderlei. Finalmente abriram o jogo e Ismael ficou sabendo do relacionamento e das intenções de Vanderlei. Não aceitou. Ficou muito magoado, furioso, se sentiu traído pelo amigo, por aquele que ele havia ajudado.
Naquele momento decidiu que tudo o que estavam fazendo juntos, divisão da padaria e funcionamento da pizzaria, estava acabado. Não queria mais negócios com Vanderlei. Queria ele longe dali, longe da sua filha, longe da sua vida.
De repente o chão de Vanderlei se abriu. Dali ele tirava seu sustento, tudo girava ao redor de Ismael.
A única chance que restava era o ponto que ele tinha comprado e, totalmente arrasado, foi para lá. Antes disso telefonou para um fornecedor de equipamentos para padaria conhecido, Paulo, e explicou o que estava acontecendo, pedindo uma ajuda. O fornecedor respondeu que não tinha nada que ver com a vida dele, que se virasse, pois ele não tinha porque ajudar.
Antes daquele dia, Vanderlei passou por um incidente desagradável, carregado de perigo. Numa das idas a aquele ponto de distribuição, que chamavam de padaria, um traficante se aproximou e exigiu um pedágio para Vanderlei poder trabalhar ali. Ele não teve dúvidas. Na hora bateu no malandro com uma viga de ferro. O bandido acabou indo para o hospital e se complicou. Como tinha um pedido de prisão pendente, assim que o identificaram acabou preso.
Na primeira noite no estabelecimento que havia comprado, no mesmo dia que tinha brigado com Ismael, escutou batidas fortes na porta e vozes altas gritando seu nome. Preparou-se para o pior: com certeza era o traficante que vinha se vingar. Abriu a porta pronto para tudo. Não era o bandido, era Paulo, com um caminhão carregado com equipamentos usados, rindo, divertido, da cara de surpresa de Vanderlei, e dizendo que era uma brincadeira o que tinha dito antes, pois confiava na capacidade dele. Conhecia bem o rapaz e depositava sua confiança nele.
No caminhão tinha uma padaria completa. Já poderia começar a trabalhar.
Lá pelas três e meia da manhã tudo estava montado e pronto para produzir. Era uma época difícil, principalmente na comunicação entre as pessoas. Nada de celular e nem internet. Ter um telefone fixo em casa era coisa de pessoas abastadas. Por isso ele não duvidou em usar um gato que a comunidade tinha feito num orelhão. Ligou para o irmão primeiro e depois para Kelly. Ela sabia preparar a massa do pão e ele, não! Conversaram durante quarenta minutos ou mais e, no amanhecer, o bairro sentiu pela primeira vez o cheiro de pão saindo do forno, um cheiro gostoso que invadiu a comunidade. Era o começo da virada.
Kelly tinha mandado uma mensagem, pedindo para se encontrarem na casa da mãe, no domingo, na hora do almoço. Ali ele ficou sabendo que o pai e a filha tinham brigado feio, foi quando decidiram que Kelly o ajudaria na nova padaria, abandonando o serviço na padaria de Ismael.
Na segunda-feira, Vanderlei foi tomar café na padaria de Ismael e assim continuou fazendo a semana toda, sem se preocupar com o olhar furioso de Ismael. Ele não queria que amizade acabasse, independente dos negócios. Queria continuar sendo amigo de Ismael.
Ismael estava muito zangado, magoado, ferido, sentindo-se traído.
Com a padaria funcionando, e com Kelly abandonando o negócio do pai, a situação se inverteu. Através de recados, sem falar com eles, Ismael pediu para que fornecessem bolos para ele, a um preço razoável. Durante seis meses fizeram isso, até que o trabalho ficou além do normal e tiveram que parar.
Naquela época resolveram morar juntos. Alugaram uma casa e, na primeira noite tiveram uma surpresa desagradável. Acordaram com a água na altura do tornozelo: choveu muito e casa foi inundada. Foram dormir na padaria, sem comodidade nenhuma.
Vanderlei, um irmão e Kelly tocaram a padaria. Pegaram a antiga rota de distribuição de bolos de Ismael que já estava desistindo da padaria, da pizzaria, de tudo. Ismael estava desiludido, magoado, ele resolveu se mudar para Balneário Camboriú (SC), onde abriu uma pizzaria que foi famosa no seu momento: Polonesa. Um dia, depois de abrir o novo negócio no litoral catarinense, ele ligou para a esposa, que ainda administrava a padaria, dizendo para ela fechar tudo e ir para Balneário Camboriú. Meses depois a esposa de Ismael conseguiu vender tudo e foi.
Enquanto isso, Vanderlei e Kelly estavam crescendo. Na hora que o pão saia do forno, já tinha uma fila enorme esperando. Um verdadeiro sucesso. Já tinham dez funcionários e vendiam uns cinco mil pães por dia. Mas, era um trabalho muito cansativo, começando de madrugada, varando o dia todo, sem feriados, sem domingos. Trabalho e mais trabalho.
Eles tinham guardado uns quarenta mil reais para começar um negócio novo, algo diferente. Vanderlei pensava numa loja de material elétrico, mas depois de pesquisar descobriu que precisaria de, no mínimo, uns cento e cinquenta mil reais para começar, algo fora do seu alcance, acabou desistindo da ideia.
Percebeu que na cidade só tinha uma loja de doces e que esse setor era muito mal atendido. Resolveu se lançar nessa empreitada.
Alugou uma sala e usou o dinheiro guardado na compra de um estoque inicial, que não encheu nem a metade das prateleiras. A solução encontrada foi encher de salgadinho os espaços vazios. A loja demorou dois meses para ficar pronta. Enquanto isso, a padaria continuava produzindo e vendendo.
Marcou a inauguração para uma segunda-feira, mas, inquieto, resolveu abrir no sábado anterior à data marcada. Antes de abrir, uma menina do bairro veio perguntar se não precisava de funcionário e se ofereceu para trabalhar. Ele falou que não, que não tinha como pagar, pois estava recém começando.
No dia que foi abrir a loja, a moça estava ali, na porta, esperando, como se tivesse adivinhado que ele ia abrir as portas naquele momento. Perguntou de novo sobre a possibilidade de trabalhar com ele e ele novamente negou. Vanderlei abriu a loja e começou a entrar gente. Foi como uma avalanche. A garota começou a ajudar a vender. Em determinado momento, eles não davam conta de vender e cobrar. Apareceu um fornecedor de máquinas registradoras, que vinha instalar uma na loja, e Vanderlei pediu para ele ajudar, cobrando e dando troco.
Aquela abertura antecipada significou o faturamento de dois dias da padaria. Vanderlei teve, naquele momento, a certeza absoluta de que a loja ia dar certo.
Na segunda-feira, depois da avalanche de clientes do sábado, Vanderlei chegou à loja e lá estava a moça de novo, esperando. Abriram a loja e ela ajudou o tempo todo. Insistiu novamente: queria trabalhar ali. Vanderlei fez a proposta, podia pagar no máximo duzentos reais por mês. Ela aceitou com uma condição, crescendo a loja ela cresceria junto. Queria ser o braço direito dele. Fecharam o acordo. Damares, a moça da história, está até hoje trabalhando com Vanderlei e Kelly. Cresceu profissionalmente junto com a loja e não se arrepende de ter insistido até conseguir o emprego.
Quatro anos depois de comprar o ponto que transformou em padaria, Vanderlei resolveu seguir adiante. Colocou a venda por cem mil reais, o mesmo ponto que tinha custado quatro mil. Conseguiu trocar por um caminhão que valia setenta e oito mil reais, um caminhão novo com o qual iniciou uma rota de distribuição de doces, abarcando padarias, mercearias, lojas de conveniências. Era uma rota extensa, que ia até o interior de São Paulo.
Naquela época o casal já tinha reatado relações com Ismael, o pai de Kelly que vivia em Balneário Camboriú. O agora sogro insistia com Vanderlei que tinham que montar algo no litoral catarinense.
O trabalho na loja e o atendimento da rota de distribuição tinham se transformado em algo estressante. Kelly e Vanderlei brigavam muito, quase sempre por motivos que tinham a ver com o trabalho. Tentavam deixar de lado o trabalho quando estavam em casa, mas muitas vezes era impossível, a luta diária acabava entrando dentro do lar.
Ismael, já recuperado das suas mágoas com o casal, ligava seguido para Vanderlei sugerindo que eles fossem para Balneário Camboriú. Existia um carinho especial entre os dois, algo quase paternal por parte de Ismael. Por isso ele buscava possibilidades de negócios para o casal. Tirava foto de lojas, de locais propícios para o tipo de negócio que eles estavam desenvolvendo naquele momento.
Uma noite, perto da meia noite, Ismael liga e diz para Vanderlei ir logo ver o local ideal que ele tinha encontrando. O genro não duvida, pega o carro e, lá pelas três e pouco da madrugada está sentado no meio fio da calçada, olhando para uma loja de seiscentos metros quadrados, com a placa de “aluga-se”. Olhando para a loja, para o lugar, pensou que era algo impossível, mas no fundo sentiu que poderia acontecer.
Não dormiu naquela noite. Cedo foi atrás da proprietária. Ela lhe deu a chave e falou que retornaria de uma viagem quinze dias depois. Pediu para ele devolver a chave para uma pessoa da sua confiança e que, na volta da viagem, conversariam sobre o aluguel.
Ele não devolveu a chave. Ligou para Kelly e pediu para encher o caminhão de mercadoria e mandar para ele. Cinco unidades de cada produto, foi isso que pediu. A esposa estava estupefata. Não acreditava naquilo, mas atendeu ao pedido.
O aluguel da sala era dez vezes maior do que eles pagavam em Colombo. Isso não assustou Vanderlei. Ligou para um fornecedor de prateleiras e pediu uma entrega urgente. O fornecedor tinha uma entrega programada para outro cliente, mas Vanderlei insistiu tanto que ele acabou desviando para a loja de Vanderlei. Em poucos dias a loja ficou montada e abriu, mesmo sem ter combinado o aluguel com a proprietária. Como sempre ele queria tudo para ontem!
Passados os quinze dias, ele foi falar com os proprietários. Argumentou que não podia pagar o que eles pediam, algo em torno de sete mil reais. Ofereceu menos da metade, três mil reais. Foi tão convincente que acabou alugando a loja pelo valor que propôs e ainda sem fiador. Assim surgiu a primeira loja Mundo Doce na Quinta Avenida, em Balneário Camboriú.
Conta Kelly que naquele momento das suas vidas, as coisas não andavam bem entre eles. Ela sentiu que a ansiedade de Vanderlei por abrir aquela loja, além do lado comercial e a possibilidade de crescimento da empresa, tinha a ver com o que ele estava desejando. Ele estava pensando em dar um tempo, separar-se um pouco dela. Por esse motivo ela ficou cuidando da loja recém-inaugurada e ele voltou para Colombo.
Não foi uma época fácil para Kelly. Ela teve que aprender a administrar coisas que, normalmente, estavam nas mãos de Vanderlei. Ele foi rígido e decidido com ela. Quando surgiam problemas mandava Kelly resolver, se virar, achar a solução. Cada unidade, no pensamento dele, tem que se manter sozinha, andar com suas próprias pernas.
Certa vez, quando já estava no limite da data de pagar os colaboradores, ela tinha duas funcionárias, faltou duzentos reais para completar o salário de uma delas. Desesperada, Kelly não sabia o que fazer. Achou a solução no seu cabelo: vendeu sua bela cabeleira, depois de percorrer vários salões e achar alguém que pagasse exatamente o que estava precisando. Naqueles dias, ela ia de bicicleta de onde morava até a loja.
Ismael percebeu que o casal estava num momento de crise e sugeriu que participassem de um encontro de casais em uma igreja evangélica. Eles concordaram e, segundo Kelly, foi o que salvou o casamento deles.
Vanderlei resolveu deixar Damares que já tinha atingido o cargo de gerente na loja de Colombo e veio para Balneário Camboriú. Vanderlei e Kelly foram morar em cima da loja da 5º avenida, num lugar quente que nem forno e que, pouco a pouco, à medida que aumentava a loja, foi ficando menor. Essa situação durou três anos, até que adquiriram seu primeiro apartamento.
Com o tempo, Vanderlei conseguiu trazer sua filha Luana para morar com eles, cumprindo fielmente sua missão de pai.
As mudanças começaram a acontecer. A loja de Colombo, que tinha o nome de Abravi (que lembra mais a alguma associação ou grupo do que uma loja de doces), um nome que ele viu em algum lugar e adotou, mudou para Mundo Doce e foi reinaugurada. Só com essa mudança o faturamento aumentou quarenta por cento.
Vanderlei buscava sempre o diferencial. Chegou a comprar uma máquina de sorvetes para oferecer, gratuitamente, delícias geladas para a criançada, em dias especiais. Em Colombo, essa ação juntava mais de duzentas crianças, a fila para pegar sorvete virava a esquina e ia longe na rua. Utilizava, enquanto não foi proibido, caixas de som para chamar os clientes, oferecia café aos sábados e se esforçava por atender as necessidades dos clientes.
Enquanto isso, as coisas iam muito bem em Balneário Camboriú. As longas filas nos caixas do local da Quinta Avenida o fizeram em pensar em novas lojas na cidade, naqueles locais de origem dos clientes. Para isso bolou um cadastramento dos mesmos, que proporcionava para os cadastrados um desconto de dez por cento. Com essa jogada ficou conhecendo a origem dos seus clientes. Um golpe de mestre.
Assim surgiram novas lojas. Em Monte Alegre e no Centro, as duas em Camboriú. Depois partiu para o Bairro das Nações. Teve algumas tentativas de franquias, uma delas em Itajaí, que não deram certo principalmente porque os franqueados não entenderam como funciona o espírito da empresa.
Hoje, depois de algumas reformulações, passando até por uma loja dedicada ao atacado, Mundo Doce conta com quatro lojas: Camboriú (Centro), Quinta Avenida e Avenida dos Estados (Balneário Camboriú) e a loja original de Colombo, que foi reinaugurada.
Damares, a menina que insistiu em trabalhar com ele, mesmo quando ele nem tinha como pagar o salário dela, se transformou numa peça importante dentro da empresa. Ela treinou outra gerente para cuidar a loja de Colombo, que em algum momento esteve para ser fechada, mas com a insistência da nova gerente, que inclusive alugou uma sala maior, permaneceu e está firme e forte.
Vanderlei desenvolveu um estilo especial e único de administrar a empresa. Visionário, acreditando no seu potencial e confiando nos seus colaboradores, ele criou do nada um mundo encantado de doces e cores.
Sempre focado na solução e não no problema, evitou ver o lado escuro das situações, negou-se a entregar-se às amarguras da vida, aos golpes baixos que recebeu sempre, começando pela infância.
Kelly afirma que ele é uma pessoa forte, determinada, que quer tudo para ontem, para já. Segundo ela, Vanderlei tem um coração enorme, capaz de tirar a roupa do corpo para agasalhar alguém. Ela se lembra de certa vez, quando ainda não namoravam, em Colombo. Vanderlei viu um cachorro da rua sedento e não duvidou. Foi lá na padaria, pediu um pote para ela, encheu de água e foi lá dar de beber para o cachorro sedento. Aquele gesto pequeno e enorme, a marcou para sempre, pois revelou a bondade daquele homem.
Damares conta que certa vez alguém falou que o filho tinha o sonho de ter certo instrumento de sopro, justamente o que Vanderlei tinha. Na hora ele não hesitou, pegou a caixa com o instrumento e deu para o homem que saiu feliz, correndo para presentear o filho. Para ela, Vanderlei é alguém fora de qualquer padrão, fora do comum, intuitivo, com uma visão muito além. Inteligente, perceptivo, capta erros num instante e diz como corrigir. Rígido, porém justo, cobrando sempre pelo bem da empresa, sabe ceder quando é necessário e cobrar quando algo ou alguém deve ser cobrado.
A história do Mundo Doce se confunde com a vida de Vanderlei e com a de Kelly.
Vanderlei é a prova viva de que é possível criar um universo do nada, partindo de um lugar como Cerro Azul (PR), no meio do nada, sobrevivendo com o mínimo, até criar uma empresa da qual pode se orgulhar sem medo. Uma empresa que se transformou em referência, que marca o rumo e que foca no cliente, atendendo suas necessidades e satisfazendo seus desejos.
Um menino mesmo com a ausência mãe, criado na dureza da roça, que sobreviveu em alguns momentos apenas com repolho e farinha, que apenas com dez anos de idade resolveu enfrentar a vida sozinho, um menino no qual ninguém apostava nada, construiu uma vida digna de admiração, uma empresa que encanta, criou um mundo encantando, um universo que ele vislumbrou e forjou com seu esforço, trabalhando muitas horas por dia, juntado dia e noite sem parar, focado no trabalho, na meta que ele mesmo tinha marcado para ser alcançada. Vanderlei é um exemplo incrível de vida, uma história cheia de pura inspiração. Muitos momentos da vida dele revelam sua grandeza, sua ética, a grandeza do seu coração e a sua qualidade como ser humano.
Kelly, cheia de fé, humilde, simples e cheia de energia e determinação, acreditando-se ainda a menina que se apaixonou por Vanderlei e apostou nele, acredita que os planos de Deus funcionaram nas suas vidas. Ele abriu os caminhos, deu a direção e os manteve unidos. Ela pede para Deus força, saúde e sabedoria para seguir adiante.
Com certeza estas poucas páginas não são capazes de captar toda a grandeza que reside nas vidas de Vanderlei e Kelly, pessoas que lutaram por seus ideais, que procuraram construir um futuro melhor, que resistiram a todos os embates e a todas as arapucas nefastas da vida. Eles venceram e continuam fazendo seu caminho. São exemplos maravilhosos de vida, por a perseverança, a fé e a vontade de vencer que demonstram. Brasileiros batalhadores e exemplos dignos de inspiração para as próximas gerações.